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Percepção

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A percepção de cores: um dos aspectos da percepção visual.

Percepção (português brasileiro) ou perceção (português europeu) é, em psicologia, neurociência e ciências cognitivas, a função cerebral que atribui significado a estímulos sensoriais, a partir de histórico de vivências passadas (memórias). Através da percepção um indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para atribuir significado ao seu meio. Consiste na aquisição, interpretação, seleção e organização das informações obtidas pelos sentidos. A percepção pode ser estudada do ponto de vista estritamente biológico ou fisiológico, envolvendo estímulos elétricos evocados pelos estímulos nos órgãos dos sentidos. Do ponto de vista psicológico ou cognitivo, a percepção envolve também os processos mentais, a memória e outros aspectos que podem influenciar na interpretação dos dados percebidos.

O estudo da percepção

A percepção é um dos campos mais antigos dos processos fisiológicos e cognitivos envolvidos. Os primeiros a estudar com profundidade a percepção foram Hermann von Helmholtz, Gustav Theodor Fechner e Ernst Heinrich Weber, A Lei de Weber-Fechner é uma das mais antigas relações quantitativas da psicologia experimental e quantifica a relação entre a magnitude do estímulo físico (mensurável por instrumentos) e o seu efeito percebido (relatado). Mais adiante Wilhelm Wundt fundou o primeiro laboratório de psicologia experimental em Leipzig em 1879.

Na filosofia, a percepção e seu efeito no conhecimento e aquisição de informações do mundo é objeto de estudo da filosofia do conhecimento ou epistemologia. Em geral a percepção visual foi base para diversas teorias científicas ou filosóficas. Newton e Goethe estudaram a percepção de cores e algumas escolas, como a Gestalt, surgida no Século XIX e escolas mais recentes, como a fenomenologia e o existencialismo baseiam toda a sua teoria na percepção do mundo.

Para a psicologia a percepção é o processo ou resultado de se tornar consciente de objetos, relacionamentos e eventos por meio dos sentidos, que inclui atividades como reconhecer, observar e discriminar. Essas atividades permitem que os organismos se organizem e interpretem os estímulos .A percepção de figura-fundo é a capacidade de distinguir adequadamente objeto e fundo em uma apresentação do campo visual. Um enfraquecimento nessa capacidade pode prejudicar seriamente a capacidade de aprender de uma criança. (APA, 2010, p. 696).

Percepção e realidade

Imagem ambígua. O animal da figura pode ser um coelho ou um pato. Um exemplo de "percepção mutável"

Na psicologia, o estudo da percepção é de extrema importância porque o comportamento das pessoas é baseado na interpretação que fazem da realidade e não na realidade em si. Por este motivo, a percepção do mundo é diferente para cada um de nós, cada pessoa percebe um objeto ou uma situação de acordo com os aspectos que têm especial importância para si própria.

Muitos psicólogos cognitivos e filósofos de diversas escolas, sustentam a tese de que, ao transitar pelo mundo, as pessoas criam um modelo mental de como o mundo funciona (paradigma. Ou seja, elas sentem o mundo real, mas o mapa sensorial que isso provoca na mente é provisório, da mesma forma que uma hipótese científica é provisória até ser comprovada ou refutada ou novas informações serem acrescentadas ao modelo (v. Método científico).

À medida que adquirimos novas informações, nossa percepção se altera. Diversos experimentos com percepção visual demonstram que é possível notar a mudança na percepção ao adquirir novas informações. As ilusões de óptica e alguns jogos, como o dos sete erros se baseiam nesse fato. Algumas imagens ambíguas são exemplares ao permitir ver objetos diferentes de acordo com a interpretação que se faz. Em uma "imagem mutável", não é o estímulo visual que muda, mas apenas a interpretação que se faz desse estímulo.

Assim como um objeto pode dar margem a múltiplas percepções, também pode ocorrer de um objeto não gerar percepção nenhuma: Se o objeto percebido não tem embasamento na realidade de uma pessoa, ela pode, literalmente, não percebê-lo. Os primeiros relatos dos colonizadores da América relataram que os índios da América Central não viram a frota naval dos colonizadores que se aproximavam em sua primeira chegada. Como os navios não faziam parte da realidade desses povos, eles simplesmente não eram capazes de percebê-los no horizonte e eles se misturavam à paisagem sem que isso fosse interpretado como uma informação a considerar. Somente quando as frotas estavam mais próximas é que passaram a ser visíveis. Qualquer pessoa nos dias atuais, de pé em uma praia espera encontrar barcos no mar. Eles se tornam, portanto, imediatamente visíveis, mesmo que sejam apenas pontos no horizonte.

Passa-se a considerar cada vez mais a importância da pessoa que percebe, durante o ato da percepção. A presença e a condição do observador modificam o fenômeno.

As percepções são normais se realmente correspondem àquilo que o observando vê, ouve e sente. Contudo, podem ser deficientes, se houver ilusões dos sentidos ou mesmo alucinações. Esta ambiguidade da percepção é explorada em tecnologias humanas como a camuflagem, mas também no mimetismo apresentado em diversas espécies animais e vegetais, como algumas borboletas que apresentam desenhos que se assemelham a olhos de pássaros, que assustam os predadores potenciais. Algumas flores também possuem seus órgãos sexuais em formatos atraentes para os insetos polinizadores.

Teorias cognitivas da percepção assumem que há uma pobreza de estímulos. Isto significa (em referência à percepção) que as sensações, sozinhas, não são capazes de prover uma descrição única do mundo. As sensações necessitam de enriquecimento, que é papel do modelo mental. Um tipo diferente de teoria é a ecologia perceptual, abordagem de James J. Gibson. Gibson rejeita a tese da pobreza de estímulos ao mesmo tempo que rejeita que a percepção seja o resultado das sensações. Ao invés disso, ele investigou quais informações são efetivamente apresentadas aos sistemas perceptivos. Ele e outros psicólogos que trabalham com esse paradigma explicam como o mundo pode ser explicado como um organismo móvel através de leis de projeção da informação sobre o mundo em matrizes de energia. A especificação é um mapeamento 1:1 de alguns aspectos do mundo em uma matriz de percepção; dado um mapa deste tipo, nenhum enriquecimento é necessário e a percepção é direta.

Fatores que influenciam a percepção

Os olhos são os órgãos responsáveis pela visão, um dos sentidos que fazem parte da percepção do mundo.

O processo de percepção tem início com a atenção que não é mais do que um processo de observação seletiva, ou seja, das observações por nós efetuadas. Este processo faz com que nós percebamos alguns elementos em desfavor de outros. Deste modo, são vários os fatores que influenciam a atenção e que se encontram agrupados em duas categorias: a dos fatores externos (próprios do meio ambiente) e a dos fatores internos (próprios do nosso organismo).

Fatores externos

Os fatores externos mais importantes da atenção são a intensidade (pois a nossa atenção é particularmente despertada por estímulos que se apresentam com grande intensidade e, é por isso, que as sirenes das ambulâncias possuem um som insistente e alto); o contraste (a atenção será muito mais despertada quanto mais contraste existir entre os estímulos, tal como acontece com os sinais de trânsito pintados em cores vivas e contrastantes); o movimento que constitui um elemento principal no despertar da atenção (por exemplo, as crianças e os gatos reagem mais facilmente a brinquedos que se movem do que aos que estão parados); e a incongruência, ou seja, prestamos muito mais atenção às coisas absurdas e bizarras do que ao que é normal (por exemplo, na praia num dia de verão prestamos mais atenção a uma pessoa que apanhe sol usando um cachecol do que a uma pessoa usando um traje de banho normal).

Fatores internos

Os fatores internos que mais influenciam a atenção são a motivação (prestamos muito mais atenção a tudo que nos motiva e nos dá prazer do que às coisas que não nos interessam); a experiência anterior ou, por outras palavras, a força do hábito faz com que prestemos mais atenção ao que já conhecemos e entendemos; e o fenómeno social que explica que a nossa natureza social faz com que pessoas de contextos sociais diferentes não prestem igual atenção aos mesmos objetos (por exemplo, os livros e os filmes a que se dá mais importância em Portugal não despertam a mesma atenção no Japão).

Princípios da percepção

Princípio da figura e fundo. Percebemos um vaso ou duas faces se entreolhando, dependendo da escolha do que é figura (o tema da imagem) e o que é fundo.

Na percepção das formas, as teorias da percepção reconhecem quatro princípios básicos que a influenciam:

  • a tendência à estruturação ou princípio do fechamento - tendemos a organizar elementos que se encontram próximos uns dos outros ou que sejam semelhantes;
  • segregação figura-fundo - explica que percebemos mais facilmente as figuras bem definidas e salientes que se inscrevem em fundos indefinidos e mal contornados (por exemplo, um cálice branco pintado num fundo preto);
  • pregnância das formas ou boa forma - qualidade que determina a facilidade com que percebemos figuras bem formadas. Percebemos mais facilmente as formas simples, regulares, simétricas e equilibradas;
  • constância perceptiva - se traduz na estabilidade da percepção (os seres humanos possuem uma resistência acentuada à mudança).

Outros fatores

Em relação à percepção da profundidade, sabe-se que esta advém da interação de factores orgânicos (características do nosso corpo) com factores ambientais (características do meio ambiente). São exemplos dos factores orgânicos: a acomodação do cristalino que é uma espécie de lente natural de que dispomos para focar convenientemente os objectos; e a convergência das linhas de visão (a posição das linhas altera-se sempre que olhamos para objectos situados a diferentes distâncias).

Para exemplificar os factores ambientais temos o princípio do contraste luz-sombra (as partes salientes dos objectos são mais claras que as restantes, em função da iluminação recebida) e a grandeza relativa (a profundidade pode ser representada variando o tamanho e a distância dos objectos pintados. Os objectos mais distantes parecem-nos mais pequenos do que aqueles que estão mais próximos).

Tipos de percepção

O estudo da percepção distingue alguns tipos principais de percepção. Nos seres humanos, as formas mais desenvolvidas são a percepção visual e auditiva, pois durante muito tempo foram fundamentais à sobrevivência da espécie (A visão e a audição eram os sentidos mais utilizados na caça e na proteção contra predadores). Também é por essa razão que as artes plásticas e a música foram as primeiras formas de arte a serem desenvolvidas por todas as civilizações, antes mesmo da invenção da escrita. As demais formas de percepção, como a olfativa, gustativa e tátil, embora não associadas às necessidades básicas, têm importante papel na afetividade e na reprodução.

Além da percepção ligada aos cinco sentidos, os humanos também possuem capacidade de percepção temporal e espacial.

Percepção visual

Ver artigo principal: Percepção visual
O triângulo de Kaniza demonstra o princípio do fechamento. Tendemos a ver um triângulo branco sobreposto à figura, como uma figura completa e fechada, embora ele só seja sugerido por falhas nas demais formas que compõem a figura.

A visão é a percepção de raios luminosos pelo sistema visual. Esta é a forma de percepção mais estudada pela psicologia da percepção. A maioria dos princípios gerais da percepção foram desenvolvidos a partir de teorias especificamente elaboradas para a percepção visual. Todos os princípios da percepção citados acima, embora possam ser extrapolados a outras formas de percepção, fazem muito mais sentido em relação à percepção visual. Por exemplo, o princípio do fechamento (ver figura ao lado) é melhor compreendido em relação a imagens do que a outras formas de percepção.

A percepção visual compreende, entre outras coisas:

  • Percepção de formas;
  • Percepção de relações espaciais, como profundidade. Relacionado à percepção espacial;
  • Percepção de cores;
  • Percepção de intensidade luminosa.
  • Percepção de movimentos

Percepção auditiva

Ver artigo principal: Percepção auditiva

A audição é a percepção de sons pelos ouvidos. A psicologia, a acústica e a psicoacústica estudam a forma como percebemos os fenômenos sonoros. Uma aplicação particularmente importante da percepção auditiva é a música. Os princípios gerais da percepção estão presentes na música. Em geral, ela possui estruturação, boa-forma, figura e fundo (representada pela melodia e acompanhamento) e os gêneros e formas musicais permitem estabelecer uma constância perceptiva.

Entre os fatores considerados no estudo da percepção auditiva estão:

  • Percepção de timbres;
  • Percepção de alturas ou frequências;
  • Percepção de intensidade sonora ou volume;
  • Percepção rítmica, que na verdade é uma forma de percepção temporal;
  • Localização auditiva, um aspecto da percepção espacial, que permite distinguir o local de origem de um som.

Percepção olfactiva

Expositor de perfumes

O olfacto é a percepção de odores pelo nariz. Este sentido é relativamente tênue nos humanos, mas é importante para a alimentação. A memória olfactiva também tem uma grande importância afetiva. A perfumaria e a enologia são aplicações dos conhecimentos de percepção olfactiva. Entre outros fatores a percepção olfactiva engloba:

  • Discriminação de odores, que estuda o que diferencia um odor de outros e o efeito de sua combinação;
  • O alcance olfactivo.

Em alguns animais, como os cães, a percepção olfactiva é muito mais desenvolvida e tem uma capacidade de discriminação e alcance muito maior que nos humanos.

Percepção gustativa

O paladar é o sentido de sabores pela língua. Importante para a alimentação. Embora seja um dos sentidos menos desenvolvidos nos humanos, o paladar é geralmente associado ao prazer e a sociedade contemporânea muitas vezes valoriza o paladar sobre os aspectos nutritivos dos alimentos. A arte culinária e a enologia são aplicações importantes da percepção gustativa. O principal fator desta modalidade de percepção é a discriminação de sabores.

Percepção tátil

Uma placa de sinalização em Braille

O tato é sentido pela pele em todo o corpo. Permite reconhecer a presença, forma e tamanho de objetos em contato com o corpo e também sua temperatura. Além disso o tato é importante para o posicionamento do corpo e a proteção física.

O tato não é distribuído uniformemente pelo corpo. Os dedos da mão possuem uma discriminação muito maior que as demais partes, enquanto algumas partes são mais sensíveis ao calor. O tato tem papel importante na afetividade e no sexo. Entre os fatores presentes na percepção tátil estão:

  • Discriminação tátil, ou a capacidade de distinguir objetos de pequenos tamanhos. (Importante, por exemplo, para a leitura em Braille);
  • Percepção de calor;
  • A percepção da dor.

Percepção temporal

Não existem órgãos específicos para a percepção do tempo, no entanto é certo que as pessoas são capazes de sentir a passagem do tempo. A percepção temporal esbarra no próprio conceito da natureza do tempo, assunto controverso e tema de estudos filosóficos, cognitivos e físicos, bem como o conhecimento do funcionamento do cérebro (neurociência).

A percepção temporal já foi objeto de diversos estudos desde o século XIX até os dias de hoje, quando é estudado por técnicas de imagem como a ressonância magnética. Os experimentos destinam-se a distinguir diferentes tipos de fenômenos relevantes à percepção temporal:

  • a percepção das durações;
  • a percepção e a produção de ritmos;
  • a percepção da ordem temporal e da simultaneidade.

Resta saber se estes diferentes domínios da percepção temporal procedem dos mesmos mecanismos ou não e também algumas novas considerações que decorrem da escala de tempo utilizada. Segundo o psicólogo francês Paul Fraisse, é preciso distinguir a percepção temporal (para durações relativamente curtas, até alguns segundos) e a estimativa temporal que é designada como a apreensão de longas durações (desde alguns segundos até algumas horas). Estes fatores envolvem ainda os ciclos biológicos, como o ritmo circadiano.

Percepção espacial

Assim como as durações, não possuímos um órgão específico para a percepção espacial, mas as distâncias entre os objetos podem ser efetivamente estimadas. Isso envolve a percepção da distância e do tamanho relativo dos objetos. A razão para separar a percepção espacial das outras modalidades repousa no fato de que aparentemente a percepção espacial é supra-modal, ou seja, é compartilhada pelas demais modalidades e utiliza elementos da percepção auditiva, visual e temporal. Assim, é possível distinguir se um som procede especificamente de um objeto visto e se esse objeto (ou o som) está aproximando-se ou afastando-se. O lobo parietal do cérebro representa um papel importante neste tipo de percepção.

Propriocepção

Ver artigo principal: Propriocepção

Propriocepção é a capacidade em reconhecer a localização espacial do corpo, sua posição e orientação, a força exercida pelos músculos e a posição de cada parte do corpo em relação às demais, sem utilizar a visão. Este tipo específico de percepção permite a manutenção do equilíbrio e a realização de diversas atividades práticas. Resulta da interação das fibras musculares que trabalham para manter o corpo na sua base de sustentação, de informações táteis e do sistema vestibular, localizado no ouvido interno e responsável pelo equilíbrio.

O conjunto das informações dadas por esses receptores permitem, por exemplo, desviar a cabeça de um galho, mesmo que que não se saiba precisamente a distância segura para se passar, ou mesmo o simples fato de poder tocar os dedos do pé e o calcanhar com os olhos vendados, além de permitir atividades importantes como andar, coordenar os movimentos responsáveis pela fala, segurar e manipular objetos, manter-se em pé ou posicionar-se para realizar alguma atividade.

Intensidade da percepção

Lei de Weber-Fechner

Pierre Bouguer (1760) e depois Ernst Heinrich Weber (1831) estudaram a menor variação perceptível para determinados estímulos. Para isso apresentaram estímulos variáveis a diversos indivíduos para determinar o funcionamento quantitativo de diversos tipos de percepção. A lei de Bouguer-Weber estipulava que o limiar sensorial (a menor diferença perceptível entre dois valores de um estímulo) aumenta linearmente com o valor do estímulo de referência. O médico Gustav Fechner (inventor do termo psicofísica) modificou essa lei, para que ela se tornasse válida aos valores extremos do estímulo: "a sensação varia como o logaritmo da excitação".

Esta lei pode ser aplicada a diversas formas de percepção. Não se sabe ao certo a causa neurológica dessa lei, mas ela pode ser percebida em diversos fenômenos da percepção. Por exemplo, na percepção de alturas, as pessoas percebem intervalos iguais, quando suas frequências variam exponencialmente. Por exemplo, a relação entre as frequências de 220 Hz e 440 Hz é percebida como um intervalo de uma oitava. A relação entre 440 Hz e 880 Hz é percebida como um intervalo igual de uma oitava, mesmo que a distância real entre as frequências não seja igual. Relações semelhantes se aplicam à percepção de intensidade sonora, intensidade luminosa, cores e diversos outros aspectos da percepção.

Percepção Social

Um último aspecto a ser considerado é o fato de que a percepção de certos aspectos relacionados a características humanas, ou mesmo a "construção da percepção" de certas características humanas, também pode ser constituída socialmente. Questões de gênero, raça, nacionalidade, sexualidade e outras, também podem ser interferidas por uma forma de percepção que é construída socialmente.

Um dos estudos recentes mais significativos sobre estes aspectos foi desenvolvido pelo historiador brasileiro José D'Assunção Barros (1967) que examinou a construção social da percepção relativamente a certos aspectos como as diferenças de sexualidade ou as diferenças étnicas (https://web.archive.org/web/20111119171736/http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aso/n175/n175a05.pdf).

A obra mais densa deste autor sobre o assunto foi o livro A Construção Social da Cor (Petrópolis: Vozes, 2009). Neste livro, José D'Assunção Barros procura mostrar que as chamadas "diferenças de cor" também são construídas socialmente e historicamente. Ele procura examinar a história da construção e atualização de noções como "raça negra", "identidade negra", e "raça" de maneira geral. D'Assunção Barros mostra como, à época da montagem do tráfico de escravos que introduziu a Escravidão Moderna, começou a ser construída uma "identidade negra" (sob o signo de "raça negra") às custas da desconstrução de outras identidades que já existiam na África do período que precede a implantação da escravatura colonial.

A esta interessava paradoxalmente conservar e dissolver as identidades étnicas africanas ancestrais (zulus, ibos, nueres, axântis, tekes, e inúmeras outras). Como os traficantes de escravos obtinham seus suprimentos de cativos das guerras intertribais africanas, eles se interessavam em conservar bem vivas, na África, as hostilidades recíprocas entre etnias africanas. Isto porque, quando as diferentes tribos étnicas guerreavam entre si, os vencidos eram vendidos como escravos para os europeus. Contudo, uma vez enviados para o Novo Mundo, para o trabalho compulsório no Sistema Colonial (séculos XVII ao XIX), já interessava aos colonizadores dissolver as identidades étnicas africanas em uma única e nova identidade, a "raça negra".

Então, as etnias eram misturadas e se favorecia a percepção de que todos os africanos eram negros (em detrimento da percepção de que eram nueres, ibos, zulus, tekes, e assim por diante). Em suma: para o trabalho escravo na América - a outra ponta do sistema escravista - já não interessavam mais as antigas identidades étnicas americanas, e sim uma única identidade negra indiferenciada. Com isto, as pessoas de origem europeia passavam a ser ensinadas a perceberem os africanos como "negros", e os africanos transplantados para o Brasil também eram ensinados a se autoperceberem como "negros" (eram levados, portanto, ao esquecimento de suas identidades ancestrais na África). Da mesma forma, "europeus" e "africanos" aprendiam a se enxergar como "brancos" e "negros", a se perceberem como "raças" diferenciadas. É a isto que José D'Assunção Barros pretende se referir quando fala em uma "Construção Social da Cor", ou em uma construção social da percepção étnica (https://web.archive.org/web/20100923073344/http://publique.rdc.puc-rio.br/desigualdadediversidade/media/Barros_desdiv_n3.pdf).

O mesmo raciocínio pode ser aplicado a outros aspectos, tal como as diferenças relacionadas à sexualidade, conforme postula José D'Assunção Barros em um artigo publicado na revista Análise Social (https://web.archive.org/web/20111119171736/http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/aso/n175/n175a05.pdf). A maneira como percebemos o que é "ser homem" ou "ser mulher" é também uma construção social, assim como constituem também uma construção social as formas como as sociedades percebem os diferentes modos humanos de vivenciar a sexualidade.

A percepção social, é, no entanto, uma classificação discutível, visto que as competências sociais são de tal gama variadas que confundiriam o conceito de percepção com outros conceitos cognitivos, como a lógica e a emoção, por exemplo. Podemos verificar isso numa situação social em que precisássemos selecionar o melhor candidato à vaga disponível de emprego: a nossa suposta "percepção social" requeria de nós uma "percepção" lógica, emotiva, de memória e de atenção a um só tempo para realizarmos esta simples tarefa. Isto posto, a ideia de "percepção social" deixa transparecer um uso inadequado do termo, que poderia ser substituído por outro mais abrangente, como "competência" ou "habilidade" social, por exemplo.

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